MSWI
01/11/2016
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Do G1
Atendimento é visto por maternidades do estado por videoconferência.
'Permite um diagnóstico mais completo', diz médica sobre método.
A agricultora Geanne da Silva Campelo, de 29 anos, mora em Solânea, no Agreste paraibano. Há pouco mais de um mês, ainda gestante, descobriu que Geovanna, nascida no final de março deste ano, apresentava um quadro clínico de microcefalia. Precisou passar a ter um acompanhamento em um dos hospitais de referência, o Instituto Cândida Vargas (ICV), em João Pessoa. Pela distância de onde mora até o hospital, a agricultora precisaria percorrer mais de 144 Km periodicamente, mas uma iniciativa pioneira da medicina paraibana fez com que o trajeto diminuísse para 38 Km.
Ao invés de continuar viajando para João Pessoa, onde deu à luz a Geovana, Geanne só vai precisar viajar até Guarabira para continuar tendo o acompanhamento especializado, uma viagem de cerca de 20 minutos. Por meio de videoconferência, os médicos da unidade especializada em tratar os casos de crianças com microcefalia na capital paraibana vão poder acompanhar o atendimento de rotina à agricultora e sua filha.
O método, conhecido como telemedicina, utilizado normalmente para tratamento de doenças do coração, foi adaptado pelo hospitais públicos paraibanos para facilitar na detecção e acompanhamento de bebês com microcefalia. A coordenadora da Unidade Neonatal do ICV, Juliana Soares, afirmou que a adaptação do sistema para atendimento dos casos de microcefalia é pioneiro do Brasil.
Para Geanne Campelo, foi a alternativa perfeita para continuar tendo o acompanhamento que é referência no estado. O atendimento aqui [no ICV] tem sido muito bem feito. Mesmo tendo um carro à disposição, dado pela prefeitura da minha cidade para me trazer para João Pessoa, gasto mais de duas horas para sair de lá. Não queria perder o apoio do pessoal daqui, comentou a agricultora, aproveitando para acrescentar que o caso de Geovana é o primeiro registrado em Solânea.
Juliana Soares explica que é um método que permite não só ao médico estar perto, mesmo estando longe, mas, principalmente o parecer de vários médicos, especialistas em área diferentes sobre um mesmo caso. Temos todas as maternidades paraibanas interligadas. Então quando uma mãe leva o bebê para receber atendimento em Guarabira, os demais médicos acompanham pela tela o procedimento, podendo se comunicar tanto com o médico que faz o atendimento, quanto com os demais. Isso permite até um diagnóstico mais completo, explicou.
Até o final do mês de março, 30 mães e seus bebês com quadro de microcefalia recebiam atendimento no Cândida Vargas, em João Pessoa. Na Paraíba, até o último dia 5, 103 casos de microcefalia já tinham sido confirmados e mais 386 seguiam em investigação. A coordenadora da Unidade Neonatal do ICV comentou que o trabalho dos médicos que lidam diretamente com o surto de microcefalia é imediatista, se limitando a reduzir as consequências.
Para tanto, os centros de acompanhamento dos bebês com a doença trabalham em parceria com a Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (Funad), na Paraíba, onde as crianças que apresentam a microcefalia podem receber tratamento com fonoaudiólogos e fisioterapeutas. A partir do resultado do tratamento na Funad, conseguimos traçar o tamanho do dano da microcefalia, concluiu Juliana Soares.
Pavor e alívio
Geanne Campelo teve zika quando estava grávida de três meses de Geovana. Uma ultrassonografia feita no oitavo mês em Solânea indicou a suspeita de microcefalia, confirmada no ICV em João Pessoa. Apavorada com o diagnóstico, a agricultora relata que ficou em choque, principalmente com as notícias e comentários que ouvia sobre as doenças.
Fiquei apavorada, em choque. Depois fui me conformando e só pedia a Deus que ele viesse com vida, que eu iria cuidar dela com muito carinho até o final da vida dela. Eu achava que seria bem pior, mas acho que isso tudo foi um milagre, comentou. No Instituto Cândida Vargas, a agricultora passou ter contato com outras mães na mesma situação. Ela garante que o contato tem sido fundamental para superar as adversidades.
Conversei com outras mães. Fiquei aliviada ao saber que não foi só no meu caso que a gente sente um aperto no peito. Meus amigos e minha família me ajudam muito. Tenhos uma outra filha de quatro anos, avisei para ela que a irmãzinha dela é especial, comentou.
'Apagando o incêndio'
A médica coordenadora da Unidade Neonatal do ICV destacou que por conta das poucas informações científicas comprovadas a respeito das reais causas da microcefalia, os médicos que cuidam dos pacientes com a doença fazem um trabalho parecido com o de bombeiros.
Estamos apagando o fogo. Temos que diminuir as sequelas, porque ainda não sabemos com exatidão as causas da microcefalia. Foi constatada a relação com o vírus da zika, mas não sabemos se outras viroses, se é um gene recessivo que predispõe o paciente. Não temos como saber as causas, por isso nossa missão é cuidar das sequelas, comentou.
Juliana Soares ressaltou ainda que o trabalho na detecção do quadro de microcefalia não deve ser limitado a coletar o tamanho da circunferência da cabeça da criança. Ele detalha que em alguns casos o bebê apresenta uma circunferência que se encaixa como microcefalia, mas o cérebro está desenvolvido o suficiente para não apresentar problemas posteriores.
Por isso que fazemos uma série de exames. Não apenas a medição da cabeça. Temos um limite de 15 tomografias, exame que nos permite determinar o desenvolvimento do cérebro, e precisamos selecionar para que o paciente só seja submetido quando há um indício muito forte. São exames caros, que oneram muito o poder público, por isso precisamos de cautela, destacou Juliana. Cerca de 95% das mães atendidas por filhos com microcefalia nos hospitais públicos apresentam um perfil de baixa renda, ainda de acordo com a médica.
Texto e Foto: André Resende/G1